segunda-feira, 26 de outubro de 2009


Palestra proferida em 22 de outubro de 2009, no Conselho de Preservação de Brasília, órgão do Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal.

Autorizada a publicação - www.paulocastelobranco.adv..br

Paulo Castelo Branco.


TRINCHEIRAS
Autor - Ledemir Bertagnoli

Terra, que caminhei,
Terra que fez me ver o horizonte,
Onde andei? Sonhei!
Subi ao monte,
Monte da minha ilusão,
Horizonte dum sol forte,
Queimando minha face,
Aquecendo meu corpo,
Delirando num tempo sombrio,
Onde as sombras do esquecimento,
Tentaram apagar minha ilusão,
Ilusão que se fez presente um dia
Como esquecer o que já foi realidade,
Minha face, ainda pelo sol, esta sendo queimada,
Consegui ver o horizonte da minha ilusão,
Só que ele não trouxe nada...

O relógio indica que amanheceu,
Mas o sol não apareceu,
Está triste com o acontecido,
Penumbra de mais um dia vivido,
Esse momento de ansiedade me transforma...

Sou soldado na batalha,
Batalhando com meu cotidiano,
Fazendo dentro de mim uma guerra...
A ilusão se espalha...
Na esperança de 365 dias de um ano...
Cavei um buraco na terra...
Vou ficar escondido... amoitado...
Vou esperar meu inimigo...
Mas como esperar
Se carrego junto comigo
Viajando em meu pensamento...
Nas asas da minha imaginação...
Escondo- me sou soldado
Estou parado... Entrincheirado...


O repórter e fotógrafo Orlando Brito mantém uma coluna na página da internet do jornalista Claudio Humberto; dias desses, ele publicou uma fotografia de soldados da Marinha Brasileira que, num exercício, ficaram pendurados numa corda sobre as nuvens. Brito, em momento poético, lembrou de uma frase de Juscelino Kubitschek que dizia. “Tanto no governo quanto na vida, para se tomar algumas decisões é preciso ter os pés firmemente fixados nas nuvens”.

A origem da trincheira que começamos a cavar na área tombada de Brasília como patrimônio cultural da humanidade está na primeira batalha que travamos, o Carlos Magalhães e eu, para a remoção dos equipamentos de publicidade que invadiam a cidade de maneira agressiva e ilegal. Era um letreiro eletrônico fixado na avenida L2 Sul. Como não tivemos sucesso nas reclamações à administração publica, fomos ao Ministério Público e fizemos uma representação. O Procurador da Republica Antonio Carlos Bigonha, hoje presidente da Associação Nacional dos Procuradores da Republica, promoveu a competente ação. Após 10 anos de tramitação, a Justiça determinou a retirada do outdoor.

A satisfação em ver a retirada do equipamento foi fortalecida com a decisão do governador Jose Roberto Arruda, determinando a retirada de quase todos os demais equipamentos publicitários instalados na área tombada. Parecia que podíamos respirar um pouco fora da trincheira, mas não foi possível. Há poucos dias, o próprio governador inaugurou uma praça patrocinada pelo Conselho Federal da OAB e batizada de Praça da Cidadania. Ali, na maior cara limpa, as autoridades fixaram um painel eletrônico com a mesma finalidade do antigo, e contra a lei que proíbe este tipo de equipamento na área tombada.

Voltamos para a trincheira, pois parece que, com as comemorações dos 50 anos de Brasília, muitas facilidades deverão ser concedidas àqueles que podem faturar com a beleza e a fama da primeira cidade moderna a ser inscrita como patrimônio da humanidade. Os absurdos vão chegando discretamente; é um letreiro marcando os dias que faltam para o evento, a permissão para estacionamento sobre a praça do Museu Nacional, painéis nas paredes dos ministérios, outro aqui outro acolá. É uma permissão provisória para um festival de peão boiadeiro no gramado da Esplanada, uma corrida de automóveis nas vias principais, tudo em nome da divulgação de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Só correndo para a trincheira.


A opção declarada pelo governo de criar novas vias de tráfego é a solução que vai na contramão dos governantes das nações ditas civilizadas. No resto do mundo se buscam alternativas criativas que não passam pelos alargamentos das pistas e construções de novos viadutos. O que se constata são investimentos maciços em transporte coletivo, e restrições aos veículos individuais no acesso aos centros urbanos. Na obra mais evidente, a reforma da EPTG, os bancos internacionais que concederam os recursos o fazem para incentivar o uso do transporte coletivo com a construção de vias exclusivas para os ônibus. O governo, com sua visão retrógrada e para não afetar suas relações com os usuários individuais de veículos, faz a via exclusiva e rasga o solo para garantir o livre trânsito dos comodistas motoristas. Esta fórmula, atende aos organismos internacionais e aos eleitores futuros; no entanto, provoca o desequilíbrio ambiental que arrasa as comunidades lindeiras e as afoga nas enxurradas, como vem ocorrendo em Vicente Pires. São as águas de Março em plena primavera.

O nosso silêncio inocente permite ataques de combatentes tradicionais da transferência da capital para o Planalto Central, mesmo depois de tantos anos e do evidente sucesso da empreitada comandada por JK, que mudou os rumos do Brasil e o transformou numa nação integrada, moderna e democrática.

Há poucos dias, um dos mais brilhantes jornalistas brasileiros, J.R. Guzzo, publicou na revista Veja, artigo intitulado “Capital Perdida” no qual comemora a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas de 2016. Analisando o fato, Guzzo aproveita para criticar a criação de Brasília, diz ele: “Nenhum exército de ocupação estrangeiro conseguiria fazer tanto mal ao Rio quanto os próprios governos brasileiros fizeram; comparado ao presidente Juscelino Kubitschek, em termos de estrago a longo prazo, o corsário Duguay-Trouin parece um benemérito”. Duguay foi um corsário francês a quem foi dada a missão de invadir o Rio de Janeiro. Ele e seus quase 6.000 comandados chegaram a baia da Guanabara em 12 de setembro de 1711. Ocupou a Ilha das Cobras e, se antecipando ao atual governo do Rio de Janeiro, também vários morros da cidade. Como se vê, não é de hoje que marginais se homiziam no local. Afinal, esse Duguay, como os bandidos da moda, ameaçou, levou o terror à população, exigiu dinheiro para ir embora, recebeu e se foi. Só reapareceu agora, pela mão de Guzzo que o resgatou para compará-lo ao maior estadista brasileiro, JK. Infeliz comparação.
Muitos brasileiros, mesmo passados 50 anos da inauguração de Brasília ainda vivem ruminando o passado. Se as razões de Guzzo tivessem fundamento, Salvador seria, igualmente, uma cidade fadada à desgraça. No entanto, nem Salvador nem o Rio de Janeiro sofrem por ter deixado de ser a capital federal. As duas cidades vivem seus destinos, formam suas famílias, produzem, são pontos turísticos internacionais, e são felizes. O fato de perderem o símbolo de capital não as desmerecem e nem as ofuscam. Elas são maravilhosas como a capital fundada por JK. Sofrem pela desídia de governantes incompetentes e corruptos que, durante anos, deixaram as cidades, capitais ou não, abandonadas.
E por isso que neste Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, todos os dias cavamos a nossa trincheira em defesa de Brasília, pois, como afirmou Alberto Dines, “O pit bull continuará atacando enquanto existirem pessoas inclinadas a atacar. Ou comprar armas – dá no mesmo. Essa é uma propensão que não se erradica com leis. Há um fator pit bull em nossa sociedade que nada tem a ver com a fome, vem das elites, atravanca as reformas, compromete os avanços e não se revoga por decreto. Rancor disfarçado. Combinação de prepotência, arrogância e violência”. Dines falava, especificamente, dos ataques dos cães pit bull, no entanto, pelas manifestações que frequentemente nos chegam, não é de todo absurdo usarmos os mesmo argumentos para os pit bulls que tentam ferir Brasília com seus ataques.
Mas, o que queremos realmente? Queremos que os governantes respeitem a vontade dos brasilienses, dos brasileiros, e do mundo, e olhem Brasília como o que ela é; uma cidade admirada pela ousadia, pela beleza e pelo respeito ao meio-ambiente. Que a nossa trincheira, ao fim da luta, seja transformada de um fosso que nos permite, durante o combate, nos movimentar e defender nossas posições frente ao ataque dos inimigos, em local onde se plantam cepas de videira. Nossas trincheiras estão firmemente cavadas nas nuvens.
Paulo Castelo Branco

Um comentário:

  1. Amigo, não sei quem ganha, mas alguem deve ganhar com esse absurdo engessamento de uma cidade em nome de um duvidoso "tombamento".
    Uma cidade é um organismo vivo, não pode viver amarrado a regras ditatoriais de alguns "museologos", que nem mesmo na cidade residem. Qualquer cidade precisa se adaptar ao seu crecimento, seu desenvolvimento, às novas tecnoligias e novos conceitos urbanisticos. Nós habitantes de brasilia, não podemos ser condenados a viver numa cidade parada no tempo, sob pena dela se tornar inabitável nos proximos anos. A absurda especulação imobiliaria que ocorre na região tombada, já demonstra que algo deve estar errado. Como pode um metro quadrado de frente para o mato (Noroeste) custar mais caro que o metro da Av. Vieira Souto de frente para o mar de Ipanema ? Nenhum de nos somos bobos, é claro que alguem ganha, e muito com isso. E, com certeza não é o povo brasiliense.
    Agora os senhores ainda defendem o estrangulamento das vias de acesso, à cidade. Obrigando aos moradores a se submeter à essa absurda especulação. Amigos, pensem nas besterias que voces tem feito em nome desse instituto, pois nós, o povo de Brasilia estamos pensando.

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